LEI COMPLEMENTAR nº 190/2022 – Parte 2 CPMG 31/01/2023

LEI COMPLEMENTAR nº 190/2022 – Parte 2

LEI COMPLEMENTAR nº 190/2022: como fica o difal nas vendas ao consumidor final? Parte 2 – Inconstitucionalidade

A anterioridade nas normas estaduais

Nada obstante a clareza da norma federal acerca da necessidade de observância aos princípios da anterioridade nonagesimal e de exercício, como demonstrado na primeira parte de nosso estudo, os Estados vêm adotando posicionamentos diversos.

Defendem os Estados que a LC nº 190/22, por não trazer hipótese de instituição ou majoração de tributo, mas, sim de mera técnica de arrecadação e repartição de receitas entre os Entes Federados, não está sujeita a qualquer tipo de anterioridade, podendo produzir efeitos inclusive imediatamente. Quanto à referência expressa na norma federal, argumentam que a referida alínea ‘c’ do dispositivo constitucional implicaria apenas na observância da anterioridade nonagesimal.

Tal entendimento é, no mínimo, contraditório, posto que, em se tratando – como defende esta linha de raciocínio – de norma meramente regulamentadora, sequer haveria imposição à qualquer tipo de anterioridade. Ademais, se a norma não faz expressa exclusão quanto à aplicação da alínea ‘b’ e, o ICMS não se enquadra em qualquer previsão constitucional que excepciona a obediência ao princípio da anterioridade, não poderia norma complementar fazê-lo.

No entanto, para espantar qualquer sombra de dúvida acerca da necessidade de aplicação da anterioridade nonagesimal, o art. 1º da LC nº 190/23, ao inserir o art. 24-A, §4º à Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, dispôs:

§ 4º Para a adaptação tecnológica do contribuinte, o inciso II do § 2º do art. 4º, a alínea “b” do inciso V do caput do art. 11 e o inciso XVI do caput do art. 12 desta Lei Complementar somente produzirão efeito no primeiro dia útil do terceiro mês subsequente ao da disponibilização do portal de que trata o caput deste artigo.

Ou seja, ainda que para fins meramente tecnológicos, a norma estabeleceu que a Lei Complementar apenas produzirá efeitos 3 (três) meses após os ajustes necessários no Portal da Nota Fiscal Eletrônica, o que ocorreu por meio do Convênio ICMS nº 235, de 27 de dezembro de 2021, publicado no DOU de 29/12/2021, o que significaria 1º de abril de 2022.

Em aparente contradição, contudo, o Convênio ICMS nº 236, de 27 de dezembro de 2021, publicado no DOU de 06/01/2022, regulamentando/autorizando a cobrança do DIFAL, prevê a produção de efeitos retroativos à 1º de janeiro de 2022.

Nesse cenário, as posturas dos Estados divergem entre si: Há quem preveja a cobrança imediata do DIFAL, ou seja, 1º de janeiro de 2022, ignorando qualquer norma de anterioridade; há quem afirme que deva ser obedecida a anterioridade prevista em suas normas internas; e há quem defenda que a cobrança do DIFAL deve obedecer apenas à anterioridade de 90 dias, interpretando que apenas esta estaria prevista na LC nº 190/23.

O Estado da Bahia, por meio da Lei nº 14.415, de 30 de dezembro de 2021[1], previu o início imediato da cobrança do DIFAL, no caso, a partir de 1º de janeiro de 2022, nas entradas oriundas de outros estados com destino a consumidor final não contribuinte do ICMS.

O Estado de São Paulo editou, ainda em 2021, a Lei nº 17.470, de 13 de dezembro de 2021[2], prevendo a cobrança do DIFAL no prazo de “90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação, observado o disposto no art. 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal”, ou seja, 15 de março de 2022, ignorando, por completo, a imposta necessidade de edição de Lei Complementar Federal para a regulamentação da matéria. Vale notar que a Lei Paulista afirma expressamente a submissão à alínea ‘b’ do inciso IIII do art. 150 da CF, que trata exatamente da anterioridade de exercício. Após a publicação da lei federal, não houve qualquer manifestação formal do Fisco paulista.

Pernambuco editou e publicou a LEI Nº 17.625, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2021[3] estabelecendo, que sua produção de efeitos se dará “a partir da mesma data de publicação da Lei Complementar Federal decorrente do PLC n° 32, de 2021, que a altera a Lei Complementar Federal nº 87, de 13 de setembro de 1996”. Veja que a vigência da lei estadual não está vinculada à vigência da norma federal, mas à sua publicação, redação que também gera dúvidas aos contribuintes.

O Estado de Minas Gerais também se antecipou à legislação federal, editando o Decreto nº 48.343, de 31 de dezembro de 2021[4], publicado na mesma data, prevendo a cobrança do DIFAL no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação, observado o disposto no art. 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal”. Também não houve manifestação formal do Estado posterior à LC nº 190/22.

O Estado do Amazonas, em Nota Técnica disponibilizada em seu sítio eletrônico[5] em 07/01/2022, afirma que o DIFAL nas remessas a consumidores finais no seu território passará a ser cobrado em 5 de abril de 2022, considerando apenas a anterioridade nonagesimal da LC nº 190/22.

Estes são apenas alguns exemplos que demonstram o verdadeiro emaranhado que se impõe aos contribuintes, despidos de qualquer grau de segurança jurídica.

A anterioridade como imposição constitucional

Nada obstante o emaranhado normativo e interpretativo observado nos Estados brasileiros, há que assinalar que, do ponto de vista formal, não se pode chegar à conclusão outra de que a anterioridade de exercício e nonagesimal é, sim, uma imposição constitucional. Existem relevantes argumentos no sentido de que, sim, a cobrança do DIFAL está sujeita à observância de ambas as regras de anterioridade.

O que a LC nº 190/22 fez foi, justamente, inserir a hipótese de venda interestadual destinada a consumidor final como fato gerador do ICMS, tal como autorizado pela EC nº 87/15, por meio da inserção do inciso XVI ao art. 12 da Lei Complementar 87/96:

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

(…)

XVI – da saída, de estabelecimento de contribuinte, de bem ou mercadoria destinados a consumidor final não contribuinte do imposto domiciliado ou estabelecido em outro Estado.    (Incluído pela Lei Complementar nº 190, de 2022) 

Evidentemente que, acaso fosse autoaplicável a autorização constitucional para a cobrança do DIFAL (EC nº 87/15), sequer poder-se-ia falar em inconstitucionalidade da sua cobrança por falta de Lei Complementar prevendo regras gerais para a cobrança do tributo, tal como decidido pelo STF quando declarou a inconstitucionalidade parcial do Convênio ICMS nº 93/15. Se é necessário que a lei complementar preveja de forma taxativa a cobrança de determinado tributo, a ausência de tal lei implica na inexistência de previsão de hipótese de incidência tributária.

Nesse sentido, apenas a partir da edição da LC nº 190/22 é que se pode falar em previsão legal de fato gerador apto a atrair o ICMS por diferença de alíquota entre Estados.

Ademais, há de se ressaltar, também de forma contrária ao defendido pela grande parte dos Estados, que a LC nº 190/22 tratou, sim, da hipótese de instituição de novo tributo. É que, até a edição EC nº 87/15, a Constituição Federal não trazia a possibilidade de cobrança do diferencial de alíquota do ICMS nas operações que destinassem mercadorias a consumidor final não contribuinte do imposto. Logo, essa cobrança apenas passou a ser possível com a referida Emenda Constitucional, sendo certo que, desde então, jamais houvera qualquer lei complementar estabelecendo a sua instituição. Não há falar em autoaplicabilidade de norma constitucional para fins de exigência tributária, nos exatos termos do art. 146 da CF.


[1] https://www.sefaz.ba.gov.br/contribuinte/tributacao/novidades.htm

[2] https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Lei-17470-de-2021.aspx

[3] https://www.sefaz.pe.gov.br/Legislacao/Tributaria/Documents/legislacao/Leis_Tributarias/2021/Lei17625_2021.htm

[4] http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/decretos/2021/d48343_2021.html

[5] http://www.sefaz.am.gov.br/noticias/ExibeNoticia.asp?codnoticia=25311

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