LEI COMPLEMENTAR nº 190/2022: como fica o difal nas vendas ao consumidor final? Parte 1 – Ilegalidade
Onde começou?
O início do ano de 2022 está sendo movimentado no meio tributário em razão da Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022, que estabeleceu normas gerais para a cobrança do Diferencial de Alíquota do ICMS (DIFAL). Essas alterações impactam especialmente (mas não apenas) os varejistas que efetuam vendas a consumidores finais localizados em diversos Estados da federação, especialmente o comércio eletrônico (e-commerce).
Num conjunto de 3 (três) textos, analisamos os impactos da alteração legislativa nas vendas realizadas a consumidores finais não contribuintes situados em outros estados. Contudo, não se pode olvidar que foram lançadas alterações que impactam, também, nas vendas realizadas a contribuintes para consumo ou incorporação ao seu ativo imobilizado, este ainda um assunto não enfrentado pelo STF e que, de certo, gerará discussões tão calorosas como a presente.
Em retrospectiva, a questão relativa ao DIFAL nas vendas a não contribuintes se iniciou ainda antes, em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que a regra de repartição de receitas do ICMS nas vendas interestaduais destinada a estes consumidores não poderiam ter sido estabelecidas pelos Estados por meio do Convênio ICMS nº 93, de 17 de setembro de 2015. Afirmou-se que a matéria apenas poderia ser regulada por meio de uma Lei Complementar aprovada pelo Congresso Nacional.
Mesmo assim, seguindo a “tradição” estabelecida pelo STF nos anos de 2020 e 2021, a Corte Constitucional houve por bem preservar os caixas e a organização financeira dos Estados, determinando, por meio da modulação de efeitos, que esta decisão apenas produzisse efeitos a partir do exercício de 2022. Ou seja, considerando que a inconstitucionalidade foi declarada pelo STF em abril de 2021, haveria tempo hábil para que os interessados na regulamentação se mobilizassem e obtivessem a aprovação de uma lei federal apta a permitir a manutenção da cobrança do DIFAL.
E, de fato, assim foi feito, por meio do Projeto de Lei Complementar LP nº 32/2021, que foi aprovado em ambas as casas e enviado para a sanção presidencial em 20/12/2021.
A anterioridade na Lei Complementar nº 190/2022
O que surpreendeu a todos (ou a muitos), no entanto, foi o fato de que o Presidente da República não sancionou o referido Projeto ainda no ano de 2021, mas, apenas, em 4 de janeiro de 2022. E é nesse aspecto que surgiram os principais questionamentos: Considerando os princípios da anterioridade nonagesimal (noventena) e de exercício previstos no art. 150, inciso III, alíneas ‘b’ e ‘c’ da Constituição Federal, estariam os Estados autorizados a cobrar o DIFAL ainda em 2022?
Vejamos a dicção literal da lei aprovada, sancionada e publicada, em seu art. 3º:
Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.
Veja que a opção do legislador, ao redigir a lei, foi aplicar, sem qualquer ressalva, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal, cuja transcrição se faz necessária:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II – cobrar tributos:
(…)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
O grifo posto acima é para deixar claro que a mencionada alínea ‘c’ impõe, necessariamente, a observância da alínea ‘b’. É uma hipótese de concomitância.
Ou seja, não é necessário qualquer esforço ou técnica interpretativa para concluir que, acaso tivesse o legislador complementar optado exclusivamente pela anterioridade nonagesimal, o art. 3º da LC nº 190/2022 deveria expressar exatamente o prazo de vigência da lei. Afinal, de acordo com a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.[1] E, reitera-se, o que o legislador impôs, por expressa disposição, a observância à alínea ‘c’ do inciso III do art. 150 da CF.
À evidência, pode-se falar ter sido um mero descuido do legislador, uma vez que, a expectativa geral era no sentido de a lei ser aprovada ainda em 2021, o que, por si só, retiraria qualquer dúvida sobre a necessidade ou não de observância ao princípio da anterioridade de exercício. Contudo, descuido ou não, vale o que está expressamente previsto na lei. E, é sabida a máxima hermenêutica de que a lei não contém palavras inúteis.
Ou seja, ao que nos parece, ainda que se possa argumentar que o estabelecimento de regras gerais para a cobrança do DIFAL não implique em instituição ou aumento de tributo (circunstâncias que impõem a anterioridade nonagesimal e de exercício), houve uma clara opção legislativa, não cabendo aos Estados, seja por meio de leis ou decretos próprios, ou mesmo por mera interpretação, contrariar texto expresso de lei federal.
[1] Art. 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro 1942.