A ilegal vedação aos créditos de PIS e COFINS sobre o ICMS e o IPI não recuperável.  CPMG 13/06/2023

A ilegal vedação aos créditos de PIS e COFINS sobre o ICMS e o IPI não recuperável. 

O PIS e a COFINS, quando apurados sob o regime da não cumulatividade, são tributos que incidem sobre a totalidade das receitas auferidas. Os contribuintes desses tributos possuem o direito aos créditos previstos no art. 3º das Leis n.º 10.833/2003 e 10.637/2002, considerando determinados custos e despesas considerados essenciais pelo legislador para aferir a receita tributável, permitindo o abatimento de tais créditos sobre o valor mensal devido das contribuições. 

Em conformidade com a sistemática de cálculo do PIS e da COFINS prevista nos artigos 1º a 3º das referidas leis, sobre o valor do débito apurado com a aplicação das alíquotas das contribuições sobre as receitas aferidas, deduz-se o valor do crédito calculado considerando determinados custos e despesas. Trata-se, portanto, de sistemática não cumulativa base sobre base, também denominada de método da subtração direta, pela qual o tributo é calculado sobre o resultado da diferença entre o valor total dos ingressos incorridos no período e as despesas incorridas com as aquisições para a atividade1. Difere da sistemática imposto sobre imposto (subtração indireta) que considera como crédito o valor do imposto que incidiu em etapa anterior (adotada, por exemplo, para o ICMS e o IPI). 

Para o cálculo do valor do crédito, o art. 3º, §1º das Leis 10.833/2003 e 10.637/2002 indica que deve ser considerado o valor dos itens identificados na lei, dentre os quais bens adquiridos no mês (custo de aquisição dos bens adquiridos para revenda e de bens e serviços utilizados como insumos), ou os encargos de depreciação e amortização (de máquinas, equipamentos e outros). 

Especificamente quanto aos bens e serviços adquiridos, o ICMS próprio e o IPI não recuperável foram historicamente compreendidos pela Receita Federal como componentes do custo de aquisição das mercadorias ou serviços, sendo considerados no cálculo dos créditos do PIS e da COFINS. Isso porque esses tributos integram o preço dos bens adquiridos, seja porque o ICMS integra sua própria base de cálculo, seja pela impossibilidade de compensação do crédito de IPI quando não recuperável. 

Esse entendimento da RFB, adotado até 2022, pode ser ilustrado pela resposta à pergunta nº 43 do capítulo XXII do Perguntas e Respostas da Pessoa Jurídica de 2022 – Contribuição para o PIS-Pasep e Cofins incidentes sobre a Receita ou o Faturamento 20222

043. Para efeito de cálculo dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins nos termos do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002 e do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003, o ICMS e o IPI integram os valores das aquisições de bens para revenda e de bens e serviços utilizados como insumos na produção ou fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços?  

O IPI, quando não recuperável, e o ICMS, exceto quando cobrado pelo vendedor na condição de substituto tributário, integram o valor de aquisição de bens e serviços, para efeito de cálculo dos créditos básicos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.  

Normativo: Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, §§ 8º a 10; (destacamos) 

Porém, esse cenário mudou, primeiro com a publicação em dezembro de 2022 da Instrução Normativa nº 2.121/2022, seguida pela Medida Provisória nº 1.159/2023 em janeiro/2023, cujos dispositivos foram reproduzidos nos arts. 6º e 7º da Lei n.º 14.592/2023 publicada em 30/05/2023. 

A IN nº 2.121/2022 passou a vedar os créditos de PIS e COFINS sobre o IPI não recuperável, vez que a redação do art. 170, II da IN nº 2.121 suprimiu as ressalvas quanto ao não aproveitamento dos créditos apenas em relação ao IPI recuperável, previstas nas instruções normativas anteriores (IN nº 247/2002, IN nº 404/2004 e IN nº 1.911/2019).  

IN nº 1.911/2019 (revogada): 

Art. 167. Para efeitos de cálculo dos créditos decorrentes da aquisição de insumos, bens para revenda ou bens destinados ao ativo imobilizado, integram o valor de aquisição (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, caput, inciso I, com redação dada pela Lei nº 11.787, de 2008, art. 4º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 45, e inciso VII; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, caput, incisos I, com redação dada pela Lei nº 11.787, art. 5º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 43, e inciso VII):(…) 

II – o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável. (destacamos) 

IN nº 2.121/2022: 

Art. 170. As parcelas do valor de aquisição dos itens não sujeitas ao pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não geram direito a crédito, tais como (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, § 2º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, § 2º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21; e Acórdão em Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 574.706): (…) 

II – o IPI incidente na venda do bem pelo fornecedor; e (destacamos) 

Por sua vez, sob a justificativa de adequar a legislação após o julgamento do tema 69 em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a MP nº 1.159/2023 e a Lei n.º 14.592/2023 alteraram a redação das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003 para não apenas excluir da base de cálculo do débito das contribuições o ICMS incidente na operação (como julgado pelo STF – inclusão do inciso XIII ao art. 1º, §3º), mas também vedar os créditos de PIS e COFINS sobre o valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição, mediante a inclusão do inciso III ao art. 3º, §2º, nos seguintes termos: 

Art. 1o  (…) § 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas: 

(…) 

XIII – referentes ao valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação 

Art. 3º (…) § 2o Não dará direito a crédito o valor: 

(…) 

III – do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição. 

Contudo, as vedações creditícias introduzidas por estes diplomas normativos são passíveis de questionamento judicial por ferirem a não cumulatividade das contribuições. Com efeito, a não cumulatividade do PIS e da COFINS possui um “conteúdo semântico mínimo” na Constituição Federal, que deve ser respeitada pelo legislador ordinário, conforme reconhecido pelo STF no julgamento do RE nº 841.979 (tema nº 756 da repercussão geral). Veja-se a tese fixada no julgamento: 

I. O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional da contribuição ao PIS e da COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança; (destacamos) 

Como mencionado, quando da instituição do PIS e da COFINS, o legislador optou pela sistemática “base contra base” para fins de apuração dos créditos das contribuições, de modo a aplicar a alíquota paga pelo adquirente sobre o custo de aquisição de bens e serviços.  

Ou seja, se os bens adquiridos forem tributados pelo PIS e pela COFINS, as leis estabelecem que os créditos das contribuições serão calculados sobre o valor de aquisição, indicado na nota fiscal e pago pelo adquirente (art. 3º, §1º, I, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003). 

Assim, para fins do cálculo da “base de créditos” do PIS e da COFINS é irrelevante o fato de o fornecedor excluir o ICMS da base de débitos das contribuições ou o fato de o IPI não ser tributado, pois o crédito será calculado sobre o valor pago pelo adquirente dos bens passíveis de crédito (bens adquiridos para revenda e insumos). 

Ou seja, se a operação de venda do insumo é tributada pelo PIS e pela COFINS, o custo de aquisição (valor pago) será composto pelo ICMS e pelo IPI não recuperável. Portanto, a vedação ao creditamento do PIS e da COFINS sobre o ICMS e o IPI não recuperável viola o princípio da não cumulatividade veiculada na legislação correlata, mostrando-se irrazoável. 

Destaca-se, nesse sentido, a decisão monocrática proferida no Agravo de Instrumento nº 5005005-17.2023.4.02.0000 pelo Des. William Douglas da 3ª Turma do TRF-2º. A decisão deferiu o pedido de um contribuinte para reconhecer que “o ICMS deve compor a base de cálculo do crédito do PIS e da Cofins, eis que se trata de um custo na aquisição. Ademais, o STF ao julgar o RE nº 574.706 (Tema 69), trata unicamente da incidência do ICMS na base das contribuições, não estendo este entendimento aos créditos/entradas, não podendo, assim, ser lesado pela MP nº 1.159/2023”. 

Essas vedações igualmente ferem a isonomia e a livre concorrência, uma vez que o valor passível de creditamento do ICMS será distinto a depender das mais distintas alíquotas deste tributo que podem ser aplicadas nas operações (dentre as quais 4%, 7%, 12%, 18%). E essa distinção no tratamento do creditamento referente ao mesmo bem, somente a depender da sua origem, não possui qualquer justificativa concreta além de ferir expressamente o art. 151, I, da Constituição Federal de 1988, que veda à União a instituição de tributo “que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro”. 

No que se refere especificamente a vedação em relação ao IPI não recuperável, a IN nº 2.121 violou também o princípio da legalidade, uma vez que as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 exigem que o crédito seja calculado sobre o valor da aquisição das mercadorias, sendo inegável que o IPI pago pelo não contribuinte deste imposto integra este custo na forma definida pelo art. 13 do Decreto-lei nº 1.598/1977. 

Portanto, além dessa vedação violar o princípio da não cumulatividade consagrada no art. 195, §12º, da Constituição Federal, o diploma infralegal que promove essa vedação fere diretamente expressa previsão legal em sentido contrário, em evidente violação ao art. 97 do CTN. 

As tentativas da RFB de restringir conceitos e exprimir restrições por meio de diplomas infralegais, não expressamente previstas nas leis, não são novidade e foram afastadas pelos Tribunais Superiores em demandas análogas3. Acresce-se que essa demanda já tem sido aceita pelo Poder Judiciário, conforme decisão liminar obtida pela CPMG Advocacia em interesse de seu cliente em março de 2023 e outras decisões liminares já noticiadas pela mídia (processo nº 5012622-34.2023.4.03.6100). 

Especificamente quanto à MP 1.159/2023, possível ainda discutir o seu trâmite legislativo impróprio, vez que esse diploma não foi propriamente convertido em lei. Com efeito, os dispositivos normativos foram incluídos dentro do trâmite legislativo de outra Medida Provisória que não tratava de creditamento de PIS e COFINS (MP 1.147 que tratava originariamente tão somente da redução das alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes no transporte aéreo de passageiros). Esse trâmite não seguiu a previsão do art. 62, da Constituição Federal e da Resolução do Congresso Nacional n.º 1/2002. 

Ora, a Lei n.º 14.592/2023, fruto da conversão da MP 1.147/2023, acabou por veicular nova previsão legal ao incluir os dispositivos anteriormente previstos na MP 1.159/2023, sendo viável sustentar, inclusive, a necessidade de se observar novo prazo de anterioridade nonagesimal para sua aplicação a contar da data da publicação. 

Portanto, a vedação ao creditamento do PIS e da COFINS sobre o ICMS e o IPI não recuperável pode ser amplamente questionada judicialmente pelos argumentos acima sintetizados, sem prejuízo de outros que podem ser identificados especificamente considerando a atividade econômica de cada contribuinte. A CPMG Advocacia se coloca a disposição para interpor as medidas judiciais necessárias a assegurar esse direito das empresas sujeitas à apuração não cumulativa das contribuições. 

Autoras: Ana Carolina Moreira Garcia e Maysa Pittondo

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